quarta-feira, 6 de fevereiro de 2008

Auto ajuda por e-mail

Se eu for contar o número de correntes que apaguei sem dar continuidade, do tanto de gente que eu deixei de avisar que o orkut está apagando perfis, creio que já era para eu ter morrido e ficado sem nenhum contato no site de relacionamentos. Todos odeiam correntes, se todos odeiam, quem manda? Por qual motivo eu continuo recebendo até hoje a notícia de que escavadores russos acharam o portal do inferno, que a Nestlé está dando brindes para quem enviar mais e-mails e outras mensagens? Mistério.

Porém eu nem me importo muito com correntes, o que me irrita mais são mensagens de auto ajuda com tom reacionário que muita gente envia sem nem parar para analisar o conteúdo.
Vejam essa que recebi por último. Em vermelho é o texto que recebi, em preto minhas considerações.

O título é "Quero voltar a ser feliz", power point, e uma imagem de uma velhinha branca na janela com cara de triste (ou seria de rabugenta?).

Fui criada com princípios morais comuns.
Quais seriam esses princípios, afinal ela parece ser de um tempo em que a sociedade era preconceituosa e excludente.

Quando criança, ladrões tinham a aparência de ladrões e nossa única preocupação em relação à segurança era a de que os “lanterninhas” dos cinemas nos expulsassem devido às batidas com os pés no chão quando uma determinada música era tocada no início dos filmes, nas matinês de domingo.
Qual seria a aparência de um ladrão? Seria um negro com uma meia calça na cabeça e uma arma mixuruca?

Mães, pais, professores, avós, tios, vizinhos eram autoridades presumidas, dignas de respeito e consideração. Quanto mais próximos, e/ou mais velhos, mais afeto. Inimaginável responder deseducadamente à policiais, mestres, aos mais idosos, autoridades. Confiávamos nos adultos porque todos eram pais e mães de todas as crianças da rua, do bairro, da cidade. Tínhamos medo apenas do escuro, de sapos, de filmes de terror.
Deve ser mesmo muito difícil conseguir respeito com um cinto ou uma palmatória na mão. Sem falar que policiais tinham autonomia para soltar ou prender quem quisesse. E abusar o quanto quisesse de sua autoridade.

Tínhamos medo apenas do escuro, de sapos, de filmes de terror. Hoje me deu uma tristeza infinita por tudo que perdemos. Por tudo que meus filhos um dia temerão. Pelo medo no olhar de crianças, jovens, velhos e adultos. Matar os pais, os avós, violentar crianças, seqüestrar, roubar, enganar, passar a perna, tudo virou banalidade de notícias policiais, esquecidas após o primeiro intervalo comercial.
O primeiro crime da humanidade foi um irmão assassinando o outro e ela vem querer me convencer que isso só acontece hoje em dia.

Agentes de trânsito multando infratores são exploradores, funcionários de indústrias de multas. Policiais em blitz é abuso de autoridade. Regalias em presídios são matéria votada em reuniões. Direitos humanos para criminosos, deveres ilimitados para cidadões honestos. Não levar vantagem é ser otário. Pagar dívidas em dia é bancar o bobo, anistia para os caloteiros de plantão.
Na época dela deve que era bom, policial batia no preso e todo mundo achava justo, até porque nunca acontecia de prenderem alguém por engano, um inocente nunca ia preso, os investigadores eram os melhores e rico ia pra cadeia quando cometia crimes.

Ladrões de terno e gravata, assassinos com cara de anjo, pedófilos de cabelos brancos. O que aconteceu conosco?
Que absurdo, isso está muito errado, bandido tem que usar roupa esfarrapada e ter cara de mau, como nos desenhos.

Professores surrados em salas de aula, comerciantes ameaçados por traficantes, grades em nossas janelas e portas. Crianças morrendo de fome de morte. Que valores são esses?
Como isso é moderno, realmente antigamente as pessoas não morriam de fome e não eram assaltadas nunca.

Carros que valem mais que abraço, filhos querendo-os como brindes por passar de ano. Celulares nas mochilas dos recém saídos das fraldas. TV, DVD, vídeo-game, o que vai querer em troca desse abraço, meu filho?Mais vale um Armani do que um diploma. Mais vale um telão do que um papo. Mais vale um baseado do que um sorvete. Mais vale dois vinténs do que um gosto.
Não entendi esse finalzinho, mas vejamos, se na época dela um carro era mais barato que um abraço então realmente eu quero voltar no tempo, depois, em outras épocas as posses das pessoas contavam até mais do que hoje, pessoas não votavam se não tivessem dinheiro e existiam leis que garantiam que fidalgos não fossem presos.

Que lares são esses?Jovens ausentes, pais ausentes, droga presente e o presente uma droga. O que é aquilo? Uma árvore, uma galinha, uma estrela, uma flor. Quando foi que tudo sumiu ou virou ridículo?
De novo não entendi muito bem, mas acho que essa é a parte poética do texto.

Quando foi que esqueci o nome do meu vizinho? Quando foi que olhei nos olhos de quem me pede roupa, comida, calçado sem sentir medo?Quando foi que me fechei?Quero de volta a minha dignidade, a minha paz. Quero de volta a lei e a ordem, a liberdade com segurança. Quero tirar as grades da minha janela para tocar as flores. Quero sentar na calçada e ter a porta aberta nas noites de verão. Quero a honestidade como motivo de orgulho. Quero a retidão de caráter, a cara limpa e o olho no olho. Quero a vergonha, a solidariedade. Quero a esperança, a alegria.
Só faltou pedir um general como presidente. Quero que os pobres voltem a viver nos guetos e eu aqui protegida de tudo e todos. Quero que o jornal só noticie aquilo que for do interesse da elite. Quero trabalhadores mal pagos sustentando meu luxo.

Teto para todos, comida na mesa, saúde a mil não quero listas de animais em extinção. Não quero clone de gente, quero cópia das letras de músicas, cultura e ciência. Eu quero voltar a ser feliz! Quero dizer basta a esta inversão de valores e ideais. Quero calar a boca de quem diz: “ a nível de”, enquanto pessoa.Abaixo o “TER”, viva o “SER”!
Parece promessa de miss... Primeiro tudo que eu quero, se sobrar tempo pode ter teto, comida e saúde para todos, ela se esqueceu de falar dos índios em extinção que eram mortos sem dó nem piedade nas épocas em que ela tanto admira, dos escravos açoitados pouco ante dela nascer (ah, esqueci, isso não é importante, as famílias eram unidas e isso que importa)

E viva o retorno da verdadeira vida, simples como uma gota de chuva, limpa como um céu de abril, leve como a brisa da manhã! E definitivamente comum, como eu. Adoro o meu mundo simples e comum.Vamos voltar a ser “gente”? Ter o amor, a solidariedade, a fraternidade como base. A indignação diante da falta de ética, de moral, de respeito... Discordar do absurdo. Construir sempre um mundo melhor, mais justo, mais humano, onde as pessoas respeitem as pessoas. Utopia? Não... se você e eu fizermos nossa parte e contaminarmos mais pessoas, e essas pessoas contaminarem mais pessoas...hein?Quem sabe?...
Só faltou dizer que quem não contaminar 100 pessoas irá sofrer de pedras nos rins e outros males. Eu quero um mundo mais justo, como ela, a diferença é que minha visão de mundo mais justo passa ao largo desse emaranhado de pensamentos fascistas e maniqueístas. Não é voltando ao passado (onde coisas piores que as de hoje aconteciam, só que tudo era acobertado) que resolveremos o presente.

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